quarta-feira, 15 de julho de 2009

A Dona Aurora e o José

Além dos outros filhos que tinha, Dona Aurora tinha mais quatro filhos especiais. Três deles estavam sempre pela casa, o Vaguinho, o Chico e a Deléia. Mas tinha também o José, que eu nunca tinha visto, mas sempre ouvia falar dele.
A mãe era amiga da Dona Aurora e ia sempre à casa dela pra comprar farinha de milho e uns beijus, que eu adorava e ela sempre mandava uns bem grandões, e eu vivia pedindo pra conhecer o José. A resposta era sempre negativa, e eu ficava imaginando o porquê. Será que o José não gostava de criança? A gente sempre tinha que esperar na cozinha, sentado quietinho enquanto elas estavam no quarto dele.
Eu fui crescendo e um dia, sem ao menos esperar, a mãe me chamou:
_Vamos lá na Dona Aurora visitar o José?
Meu coração disparou de ansiedade. Como seria o José? Será q ele ia gostar de mim? A caminhada de poucos metros entre os dois sítios nunca me pareceu tão longa. Chegamos lá, a mãe me pegou pela mão e pediu se eu podia entrar no quarto com ela. Dona Aurora assentiu com a cabeça e entramos. Vi uma cama de madeira que parecia um berço grandão com grades altas, virado pra janela de onde se via o dia ensolarado. Minha ansiedade aumentou, me aproximei da cama e vi o José. Não esperava ver que ele era um adulto, que devia ter mais de 20 anos. Confesso que me assustei um pouco, pois achava que José era um tipo de bebê ou uma criança que gostava de ficar sozinha. Mas quando ele viu a mãe, abriu um sorriso e seus olhos brilharam. Era como se ele quisesse conversar, e respondia a cada palavra com um pequeno e esforçado gesto. Senti algo vindo do fundo da garganta que eu não sabia o que era, parecia que eu ia chorar.
José teve paralisia ainda bebê, e por isso ele era mantido no seu quartinho, sempre no seu berço e raramente saía pra ver o mundo de fora. No começo achei que era uma maldade deixar ele ali, isolado em seu berço, olhando constantemente pra uma janela aberta. Mas depois entendi que o que Dona Aurora fazia era proteger o seu bebê do preconceito e das estranhezas do mundo, e que pelo jeito que ele estava, amor e cuidado não lhe faltavam. Passei a gostar ainda mais dessa grande mulher, e dos beijus que ela me mandava com tanto carinho.
Até hoje não tenho mais notícias dele, mas sei que esteja onde estiver, foi uma das pessoas mais amadas e protegidas que eu já vi.